O conhecimento só tem valor quando é compatilhado e transforma vidas.

Fale conosco

CONSCIÊNCIA, A FORÇA PRIMÁRIA DA NATUREZA

25.03.25


Dr. Christiano Castello Branco Giometti


O estudo da relação entre a mente e o cérebro é certamente uma questão central para as neurociências e, ao contrário do que se imagina, estamos ainda muito longe de compreender questões centrais, que podem mudar completamente o rumo de concepções tradicionalmente aceitas no meio acadêmico. O materialismo reducionista sem dúvida trouxe grandes avanços no conhecimento do cérebro, mas tem se mostrado francamente ineficaz para explicar a experiência da consciência. A mente consciente como um epifenômeno do cérebro computacional não é um fato científico, uma vez que nunca foi compreendida ou localizada em nosso aparato neural. Existe uma grande lacuna de conhecimento em relação a consciência humana e, segundo alguns pesquisadores, essa lacuna deveria ser preenchida pela física quântica. Novos achados em neurociências baseados em exames de ressonância magnética funcional têm demonstrado o papel do Default Mode Network na sustentação da realidade subjetiva do nosso “Eu”. Os estudos sobre estados extraordinários da mente, ocasionados pela meditação profunda e pelo uso de substâncias psicodélicas, abriram novas perspectivas terapêuticas, com repercussões profundas e significativas nas percepções dos indivíduos sobre si e sobre a realidade..

A teoria mais aceita dentro das neurociências é que a consciência emerge ao longo da evolução como um epifenômeno do cérebro computacional, oferecendo vantagens adaptativas às espécies com maior capacidade cognitiva1. Esta linha materialista- reducionista, defendida pelos chamados epifenomenologistas, vem trazendo conhecimentos detalhados do funcionamento das sinapses e redes neurais, possibilitando o entendimento de aspectos básicos do funcionamento cognitivo. Os denominados “easy problems” ou “problemas fáceis”, englobam aspectos computacionais do cérebro, como atenção, raciocínio e memória, que são relativamente bem compreendidos dentro de uma visão estritamente mecânica da mente. Por outro lado, a experiência subjetiva, ou “qualia”, é um tema que gera grande controvérsia entre os teóricos da consciência, e foi denominada “the hard problem” ou “o problema difícil” pelo filósofo David Chalmers.

As descobertas científicas sobre o funcionamento cerebral e sua relação com a consciência são fascinantes, na medida que até mesmo o Ego e as experiências místicas têm ganhado seus substratos neurais e psicofarmacológicos. Entretanto, a conclusão de que a consciência é um mero epifenômeno biológico é no mínimo precipitada, uma vez que as raízes evolutivas da experiência subjetiva não foram claramente determinadas e o mecanismo pelo qual o cérebro produz a consciência nunca foi esclarecido. O fascínio pelos avanços recentes pode gerar uma falsa impressão de que estamos desvendando o funcionamento cerebral, entretanto questões centrais, que poderiam até mesmo mudar o paradigma científico materialista, nunca foram respondidas, existindo um abismo entre o conhecimento das redes neurais e a explicação da experiência subjetiva de estar consciente.

O campo da física tem feito descobertas embaraçosas para a filosofia humana, e enquanto o mais racional dos físicos já vive em um vasto universo de possibilidades, que vão muito além do mundo mecânico, as correntes centrais nas neurociências ainda se apegam a um paradigma reducionista e cartesiano, segundo o qual, a mente seria apenas uma grande coincidência evolutiva.

Alguns físicos teóricos passaram a especular sobre as interpretações filosóficas da física quântica, o que gerou uma grande aproximação entre a física e filosofias orientais panteistas. Paralelamente, o renascimento das pesquisas envolvendo substâncias psicodélicas criou um elo entre as neurociências e as experiências místicas. Em conjunto, estas descobertas podem levar não somente a uma a abertura para novos paradigmas científicos, mas a uma ampla mudança sobre a concepção da realidade.

O apogeu do paradigma materialista no campo da física ocorreu no início do século XIX. Deslumbrados pelas descobertas de Isaac Newton, físicos eminentes, como Lord Kelvin, chegaram a afirmar que não havia mais nada a ser descoberto. Nesta época, ainda acreditávamos no modelo atômico de Dalton, segundo o qual o átomo era nada mais do que uma esfera indivisível. Desde então, passamos pelo modelo atômico de Thompsom, no qual o átomo era um “pudim” de partículas positivas e negativas, seguido pelo modelo de Rutherford, em que o átomo era semelhante a um sistema solar, onde o sol seria o núcleo do átomo, com carga positiva, e as estrelas seriam os elétrons, com cargas negativas. Passamos então, pela descoberta do neutron e, finalmente, mergulhamos na teoria da relatividade e na física quântica, que trouxeram mistérios e possibilidades até então inimagináveis.

O conhecimento do tamanho do universo, a teoria do Big Bang, e a complexidade do mundo sub atômico foram, de certa forma, uma lição de humildade para a ciência, uma vez que passamos a lidar com 2 infinitos, um micro, no mundo subatômico, e outro macro, no tamanho do universo. A física quântica e a mecânica do mundo subatômico trouxeram conceitos revolucionários, cuja interpretação filosófica encontra-se ainda em aberto. Se até 1900 vivíamos em um mundo mecânico, repleto de certezas, atualmente vivemos em um mundo de possibilidades e incertezas. O elétron deixou de ser uma partícula negativa, e passou a ser uma partícula-onda, que existe simultaneamente em todos os lugares ao redor do núcleo do átomo, e só se materializa em um lugar específico diante da interferência de um observador, em um fenômeno denominado colabamento quântico. A geometria tridimensional, ganhou uma quarta dimensão, o espaço-tempo e, no mundo subatômico, a possibilidade de outras dimensões, ainda mais difíceis de se compreender, aparecem como uma possibilidade teórica. O entrelaçamento quântico (non local entanglement), demonstra que partículas de um mesmo átomo, separadas por quilômetros de distância, mantenham uma conexão e exerçam uma influência simultânea, uma sobre a outra, desafiando a estrutura do espaço-tempo. Finalmente, novas partículas subatômicas, quarks, teoria das cordas, antimatéria, buracos negros, e matéria escura, vieram para dar o golpe de misericórdia em nossa arrogância científica, mas curiosamente, quando entramos no terreno das neurociências, os insights e a abertura gerados pela física quântica parecem encontrar um terreno árido, uma vez que o meio acadêmico ainda encontra-se apegado a um modelo mecânico e cartesiano de consciência.

Talvez buscar a explicação da consciência nas sinapses cerebrais seja o equivalente a estar fixado ao modelo atômico de Dalton, negando à consciência o seu verdadeiro status de infinito mistério e complexidade, que ao lado do átomo e do cosmos, configuraria o terceiro infinito com que nossa filosofia deve se deparar. A ideia materialista de que a vida é fruto do choque aleatório de átomos e moléculas e que toda a subjetividade humana é fruto do acaso e da seleção natural, pode ser considerada uma crença fanática tão dogmática e radical quanto acreditar literalmente em um Deus antropomórfico que criou o céu e a terra em 7 dias. Cegos, muitos cientistas vêem a confirmação de sua crença na descoberta de simples substratos biológicos da evolução, ignorando a complexidade infinita do fenômeno da vida e a possibilidade de que forças desconhecidas estejam operando em dimensões ainda pouco compreendidas.

A física reconhece atualmente quatro forças da natureza: a força da gravidade, a eletromagnética, a nuclear fraca, e a força nuclear forte. Teoricamente, no começo do nosso universo, uma força unificada (FU) teria se dividido formando a força da gravidade e a grande força unificada (GFU), que, por sua vez, teria formado as outras forças da natureza. Baseando-se na física teórica, não é, portanto, nenhum absurdo supor que uma única força está por trás da manifestação de tudo que existe.

Curiosamente, a física quântica tem se aproximado do conhecimento proveniente de doutrinas religiosas, especialmente as de base panteísta, que tendem a ver tudo o que existe como uma “manifestação do divino”. A perspectiva da consciência como uma força primária da natureza propõe que tudo que existe, desde um átomo, já é uma manifestação de consciência. A consciência enquanto uma força da natureza direcionaria o surgimento de moléculas complexas e se manifestaria em intensidade cada vez maior, desde os seres unicelulares até o seu ápice em nosso planeta, na mente humana. A evolução das espécies seria portanto direcionada não somente para a sobrevivência, mas também para uma manifestação cada vez mais intensa desta força.

Apesar de todos os desvios da mente humana, a consciência de sermos conscientes, e nossa capacidade de entender e contemplar a realidade, eventualmente atingindo estados de consciência sublimes e inefáveis, nos coloca como o ápice da manifestação de consciência em nosso planeta, e quanto mais formos capaz de contemplar e perceber, maior será nossa conexão e sintonia com esta força que permeia todo o universo.



REFERÊNCIAS:
1. Almeida, A. (2012) Exploring frontiers of the mind-brain relationship. New York: Springer. 

2. Cabanac M. (1996) On the origin of consciousness, a postulate and its corrollary. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 20, 33-40.” 

3. Capra.F (1975) The Tao of Physics, An Exploration of the Parallels Between Modern Physics and Eastern Mysticism 

4. Chalmers, D. (1996) The Conscious Mind: In Search of a Fundamental Theory. Oxford University Press, ISBN 0-19- 511789-1 e ISBN 0-19-510553-2COHEN, S. (1959). Use of Lysergic Acid Diethylamide in a Psychotherapeutic Setting. Archives of Neurology And Psychiatry, 81(5), 615. doi:10.1001/archneurpsyc.1959.02340170081008 

5. Dennett, D . C . (1991) Consciousness Explained 

6. Griffiths, RR. MW Johnson, MA Carducci, A Umbrich. (2016) Psilocybin produces substantial and sustained decreases in depression and anxiety in patients with life-threatening cancer: A randomized double-blind trial. – Journal of psychopharmacology. 

7. Greyson, B. & Ring, K. The life changes inventory–revised. Journal of Near-Death Studies 23, 41–54 (2004). 

8. Huxley A.(1954) “The doors of perception” ed: Chatto & Windus. 

9. Moreira-Almeida A (2012). Rev Psiq Clín. 2013;40(3):105-9 


10. Pahnke, W. N. Drugs & Mysticism: An Analysis of the Relationship between Psychedelic Drugs and Mystical 
Consciousness. Divinity. Harvard University, Cambridge MA, 315 (1963). 


11. Penrose, R. (1989). The Emperor’s New Mind: Concerning Computers, Minds, and the Laws of Physics, Oxford University Press, Oxford 

12. Penrose, R. (1994). Shadows of the Mind; An Approach to the Missing Science of Consciousness. Oxford University Press, Oxford. 

13. Penrose,m R (2012) "The Large, the Small and the Human Mind". Cambridge University Press. Retrieved July 28, 2012. Trecho de: Roger Penrose. “Consciousness and the Universe: Quantum Physics, Evolution, Brain & Mind”. iBooks. 

14. Penrose and Hameroff. (2017) “Consciousness in the Universe: Neuroscience, Quantum Space-Time Geometry and Orch OR Theory” “Quantum Physics, Evolution, Brain & Mind, Cosmology Science Publishers, Cambridge, MA 

15. Scheibner, H. J., Bogler, C., Gleich, T., Haynes, J.-D., and Bermpohl, F. (2017). Internal and external attention and the default mode network. Neuroimage 148(Suppl. C), 381–389. doi: 10.1016/j.neuroimage.2017.01.044 



16. Stace, W. T. (1960). Mysticism and Philosophy. London: Macmillan and Co. 


17. Zhou HX, Chen X, Shen YQ, et al.(2020 Feb) Rumination and the default mode network: Meta-analysis of brain imaging studies and implications for depression. Neuroimage. 1;206:116287.

Outros artigos...