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O Renascimento Psicodélico

25.03.25


Dr. Christiano Castello Branco Giometti


As temidas substâncias psicodélicas, como o ácido lisérgico (LSD), a psilocibina, contida nos cogumelos alucinógenos, e a dimetiltriptamina (DMT), presente na ayahuasca, geralmente ocupam, no imaginário popular, um lugar associado ao movimento hippie, à drogadição e à loucura. Proibidas nos EUA a partir de 1970, seu uso é considerado crime na maior parte do mundo, mas pesquisas recentes têm apontado que essas substâncias podem ter um grande potencial terapêutico quando bem administradas.

Não sabemos exatamente como e quando o consumo de substâncias psicodélicas apareceu entre os humanos, mas diversas espécies de primatas não somente ingerem como também sabem diferenciar os cogumelos que contêm psilocibina, sendo que, muito provavelmente, as primeiras experiências psicodélicas aconteceram entre as tribos coletoras, que iam apanhando os alimentos que encontravam pelo caminho.

Plantas com efeito psicoativo sempre estiveram presentes em rituais primitivos e eram conhecidas por curandeiros, pajés e xamãs na antiguidade (primeira onda psicodélica). Sabemos que os povos da América Central e do México faziam uso ritualístico de cogumelos alucinógenos, os quais eram chamados de Teonanácatl, ou “carne dos deuses”, mas temos poucos registros desses rituais, uma vez que, com a colonização, o consumo desses cogumelos foi proibido pela Igreja Católica e brutalmente reprimido pelos espanhóis.

O consumo de cogumelos contendo psilocibina manteve-se, então, na clandestinidade em pequenos rituais xamânicos no México, mas ganhou notoriedade nos EUA após a participação do banqueiro americano R. Gordon Wasson, na época vice-presidente do banco J.P. Morgan, em um desses rituais. A experiência de Wasson foi contada em detalhes em uma matéria que ocupou a capa da revista Life em 1957 e acabou despertando um grande interesse por esses cogumelos que, no entanto, eram raros na maior parte dos EUA. Mas, se por um lado os cogumelos eram relativamente difíceis de encontrar, uma outra substância psicodélica, o LSD, já havia chegado às ruas e seu uso difundia-se com uma velocidade assustadora.

Descoberto acidentalmente pelo químico suíço Albert Hofmann em 1943, o LSD é considerado um marco nas neurociências e o ponto de partida da chamada “segunda onda psicodélica”. Hofmann havia sintetizado o LSD em 1938 ao estudar os alcaloides produzidos por um fungo chamado esporão-do-centeio. Curiosamente, cinco anos depois, Hofmann resolveu dar uma segunda chance à molécula que havia nomeado de LSD-25 e acabou se contaminando acidentalmente. Ao chegar em casa, o químico vivenciou a primeira experiência psicodélica com LSD, com as típicas visões, insights e percepções místicas, que foram posteriormente descritas por Aldous Huxley no livro As Portas da Percepção (1954). Após sua intoxicação acidental, Hofmann resolveu fazer uma experiência e ingeriu voluntariamente 250 mcg de LSD, uma dose considerada excessiva pelos parâmetros atuais. O resultado foi a primeira bad trip (experiência ruim) da história. Hofmann vivenciou momentos de verdadeiro terror, com a certeza de que ficaria definitivamente louco, mas, passado o susto, não teve dúvidas quanto à importância de sua descoberta, e o LSD virou alvo de enorme interesse científico. O fato de quantidades tão pequenas de uma substância causarem efeitos tão profundos motivou a busca pelo seu local de ação e foi o ponto de partida para a descoberta dos neurotransmissores e seus respectivos receptores.

Distribuído gratuitamente pela Sandoz para pesquisa, o LSD chegou aos consultórios médicos e, empolgados com os resultados, os chamados terapeutas psicodélicos proliferavam pelos EUA, sendo que, durante a década de 1950 e início da década de 1960, o LSD e a psilocibina chegaram a ser considerados “drogas milagrosas” por algumas autoridades em psiquiatria. O psiquiatra tcheco Stanislav Grof destacou-se nesse contexto, chegando a afirmar que o LSD teria, para a psiquiatria, o mesmo significado que o microscópio teve para a biologia e que o telescópio teve para a astronomia.

Duas formas de terapia com LSD se tornaram populares. A primeira, chamada de terapia psicodélica, foi proposta pelo psiquiatra inglês Humphry Osmond em 1953 e baseava-se em uma única sessão de psicoterapia sob efeito de altas doses de LSD, tendo como proposta a busca de uma ampla mudança de perspectiva sobre a vida. A segunda, proposta por outro psiquiatra inglês, Ronald Sandison, era chamada de terapia psicolítica e propunha o uso regular de doses baixas de LSD como um complemento à psicanálise, com o intuito de atingir um estado mental onírico, mais permeável ao conteúdo do inconsciente e com menor resistência, por parte do ego, ao acesso a traumas e conteúdos reprimidos.

Com seu uso inicialmente restrito a contextos terapêuticos, eram raros os relatos de efeitos adversos graves, mas o LSD rapidamente extrapolou as paredes dos consultórios médicos e hospitais universitários, difundindo-se amplamente como uma droga recreativa voltada para a expansão da consciência, gerando um aumento indiscriminado no consumo.

A experiência com LSD tornou-se um verdadeiro “rito de passagem” para uma parte da juventude que não se identificava com os valores sociais vigentes e certamente teve forte influência no surgimento do movimento hippie e da contracultura americana, considerados a última utopia de transformação do Ocidente.

Em seu apogeu na década de 1960, o uso do LSD permeou a música, a arte, o pensamento e o comportamento de boa parte daquela geração. A frase “turn on, tune in, drop out”, dita pelo psicólogo e professor de Harvard Timothy Leary, tornou-se um verdadeiro slogan do movimento psicodélico e era interpretada pela juventude como um incentivo a se drogar (turn on / tune in) e a abandonar os paradigmas sociais vigentes (drop out). Havia uma tendência, entre os usuários de LSD, a rejeitar os valores da classe média americana, assim como qualquer forma de autoritarismo ou violência. Os hippies, particularmente, representavam um extremo dessa forma de viver e iam além do famoso chavão “paz e amor”, pregando a vida em comunidades colaborativas em total harmonia com a natureza, o que passou a ser associado ao comunismo, aterrorizando ainda mais o típico cidadão americano, que já via no uso crescente de drogas uma grande ameaça.

Com a disseminação do uso do LSD e dos “cogumelos mágicos”, não tardou para que os relatos de desfechos negativos, como transtornos mentais, mortes e casos de suicídio, chegassem à mídia, levando pesquisadores importantes a alertarem sobre os riscos do uso dessas substâncias. O Dr. Sidney Cohen estava envolvido na pesquisa do LSD desde 1957, quando recebeu uma remessa da Sandoz e começou a estudar seus efeitos psicológicos em Los Angeles. Em uma publicação de 1959, Cohen concluiu que o LSD era seguro, se usado em pacientes cuidadosamente selecionados e em um ambiente terapêutico. No entanto, a disseminação do uso ilícito e o número crescente de pacientes que desenvolveram efeitos colaterais levaram o pesquisador a adotar uma postura mais crítica, culminando em uma série de artigos sobre os efeitos colaterais e perigos resultantes do uso indevido do LSD.

O uso de drogas entre os jovens havia claramente se tornado um problema social, que ameaçava não somente a saúde mental e o futuro da juventude, mas também os alicerces da cultura americana. Boa parte da sociedade clamava por uma solução, e a reação do governo não demorou. Para coibir o consumo de drogas, o governo apostou na criação de agências de controle, como a DEA (Drug Enforcement Administration), e aumentou o poder da já existente FDA (Food and Drug Administration). As agências passaram a criar empecilhos progressivamente maiores para pesquisas com substâncias de abuso e, ignorando os dados científicos produzidos até aquele momento, em 1970 classificaram o LSD e a psilocibina como substâncias de “Categoria 1”, ou seja, com alto potencial de abuso, sem indicações para uso medicinal e inseguras para consumo, mesmo sob supervisão médica. Isso enterrou qualquer possibilidade de pesquisas e ensaios clínicos pelos próximos 20 anos.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, as pesquisas com substâncias psicodélicas nos EUA ficaram restritas a estudos com animais. Essas pesquisas baseavam-se, principalmente, na farmacocinética e neurotoxicidade e serviram de base para uma articulação política que, no início da década de 1990, deu início a uma mudança de atitude em relação aos psicodélicos por parte das agências governamentais.

Fundada em 1986 por Rick Doblin, a MAPS (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies) é a associação mais atuante politicamente e a principal financiadora de estudos com psicodélicos. Desde sua fundação, a MAPS optou por trabalhar junto com (e não contra) o FDA, e o resultado foi que, desde 1994, o FDA oficialmente passou a tratar drogas com potencial de abuso como qualquer outra substância, permitindo a abertura de protocolos de pesquisa (fase I) com substâncias como DMT, MDMA, LSD e psilocibina.

O primeiro marco que antecedeu uma mudança de posicionamento do FDA foi a aprovação de uma pesquisa com DMT, conduzida por Rick Strassman em 1991. A dimetiltriptamina (DMT) é o princípio ativo da ayahuasca, ou chá do Santo Daime, e, curiosamente, é uma molécula naturalmente presente em nosso organismo. Em seu livro DMT: A Molécula do Espírito (2001), Strassman defende a hipótese de que o DMT seria produzido e liberado pela glândula pineal em circunstâncias específicas, sendo o responsável por estados extraordinários da mente, naturalmente induzidos por práticas religiosas, meditação ou mesmo atividades físicas de longa duração. Além disso, seus níveis aumentariam durante o sono REM, que é o estágio do sono no qual geralmente estamos sonhando. Com a hipótese de uma associação entre o DMT e a esquizofrenia, Strassman conseguiu, pela primeira vez desde a proibição de 1970, a aprovação de uma linha de pesquisa com uma substância de “Categoria I” do FDA, abrindo caminho para o movimento que passou a ser chamado de “terceira onda psicodélica”.

Com a mudança de critérios do FDA e o financiamento de associações como a MAPS, estudos de metodologia rigorosa começaram a dar corpo a uma nova página nas neurociências. Com técnicas modernas de neuroimagem, pela primeira vez estudos científicos passaram a mostrar o que de fato acontece com o nosso cérebro sob o efeito de substâncias psicodélicas. Mais especificamente, a ressonância magnética funcional (fMRI) permitiu o aprofundamento do conhecimento sobre uma rede cerebral chamada default mode network (DMN), ou “rede de modo padrão”, que, aparentemente, sustenta as ruminações mentais presentes em diversos transtornos psicológicos.

Roland Griffiths, Ph.D., foi um pesquisador veterano da Universidade Johns Hopkins (EUA), com mais de 360 publicações sobre a influência de substâncias em estados de humor. Desde 1999, conduzia uma linha de pesquisa com substâncias psicodélicas, especialmente a psilocibina. O interesse de Griffiths por essas substâncias veio de sua própria experiência com a meditação, e sua publicação de 2006, sobre experiências místicas significativas em voluntários saudáveis após o uso de psilocibina, foi o ponto de partida para diversos ensaios clínicos com essa substância. Em 2016, Griffiths publicou um artigo sobre o uso de psilocibina para o tratamento da ansiedade e da depressão em pacientes com câncer terminal. Os resultados foram surpreendentes e mostraram que uma única dose de psilocibina foi capaz de proporcionar um alívio significativo na depressão e na ansiedade em 80% dos participantes. Desde então, outros estudos e ensaios clínicos importantes vêm corroborando esses resultados, o que levou o FDA, finalmente, em outubro de 2018, a conceder à psilocibina a designação de Breakthrough Therapy para o tratamento da depressão refratária, colocando-a em uma posição diferenciada em termos de novas linhas de pesquisa para transtornos de humor.

O renascimento da pesquisa com psicodélicos tirou substâncias como o DMT e a psilocibina da obscuridade e tem desconcertado a indústria farmacêutica, que há décadas insiste em medicamentos de uso contínuo, com eficácia questionável e múltiplos efeitos colaterais. Embora os avanços em farmacogenética estejam permitindo escolhas mais racionais e personalizadas de antidepressivos, proporcionando uma ação mais precisa e com menos efeitos colaterais, é fato que, em boa parte dos casos, conseguimos apenas algum alívio nos sintomas. O que chamamos de depressão é um fenômeno multifatorial, que pode ter causas genéticas e afetar a expressão de enzimas, neurotransmissores e receptores, gerando quadros graves e complexos. Muitos desses casos podem se beneficiar enormemente do uso preciso de antidepressivos tradicionais, mas nem todo quadro depressivo terá uma boa resposta a esses medicamentos. Intervenções no gerenciamento do estresse físico e mental, no controle da mente, na mudança de hábitos, na melhora do sono, na alimentação adequada e no padrão de atividades físicas são fundamentais. No entanto, em uma boa parte dos quadros, mesmo com uma abordagem integrada baseada em psicoterapia e no uso de múltiplos medicamentos, somos obrigados a testemunhar um profundo sofrimento humano aparentemente irremediável quimicamente.

O caminho aberto pelos psicodélicos dentro das neurociências vem quebrando paradigmas em casos de depressões refratárias, mostrando que, ao menos para parte desses quadros, basta uma mudança radical de perspectiva para que se obtenha uma remissão significativa dos sintomas. Libertar a mente, mesmo que momentaneamente, das paredes criadas pelo ego e de toda a carga de sofrimento autobiográfico que ele carrega gera, espontaneamente, sentimentos de interconexão e pertencimento, com o poderoso insight de que somos mais do que o nosso ego. Isso abre uma importante janela para a espiritualidade e para a ressignificação da vida.

O uso de substâncias psicodélicas, na maioria das pesquisas mencionadas, é administrado sob rigorosa supervisão médica e psicológica, a pacientes selecionados e em um ambiente altamente controlado. O objetivo deste texto não é fazer apologia ao uso de substâncias ilícitas e potencialmente perigosas, mas sim mostrar que a existência de estados mentais transcendentes ou místicos é atualmente um fato científico. A habilidade para atingir esses estados naturalmente, por meio da meditação, por exemplo, é inerente ao ser humano e tem sido ensinada há milênios por sábios, monges e gurus. A “graça não merecida” proporcionada pelo atalho químico das substâncias psicodélicas não é isenta de riscos e efeitos colaterais, mas pode ser um lampejo de luz para aqueles que se perderam no vazio dos sentimentos de desconexão e falta de sentido.



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